O peso da “Coroa”

Nos meus sonhos mais ousados, um dia terei uma ocasião para usar uma tiara. Não bijuterias de concurso de beleza, lembre-se. Diamantes. Assistir The Crown [A Coroa] da Netflix, um drama extenso e luxuoso baseado na vida da rainha Elizabeth II, é provavelmente o mais próximo que eu chegarei disso, e a segunda temporada será lançada nesta semana. [1]

Esse foi um ano longo e estranho, e estou pronta para me perder no Natal em Sandringham. Sim, os palácios britânicos podem ser frios, mas há sempre um empregado por perto para acender a lareira e trazer o chá.

Embora seja dito que a série tenha custado 200 milhões de dólares, o produtor executivo, Peter Morgan, afirmou que o valor do orçamento está próximo de 130 milhões para as temporadas deThe Crown até agora. A Netflix ostenta o seu enorme orçamento de produção em todos os episódios. No entanto, embora não haja falta de riqueza ou de conforto em um momento sequer, temos a sensação de que devemos simpatizar com a família real em vez de invejá-la. Parece que o ditado “inquieta é a cabeça que carrega uma coroa” não é menos verdadeiro em uma monarquia constitucional do que nos dias de Shakespeare.

Morgan se esforça para nos lembrar que os membros da família real são seres humanos. Eles são uma família e não uma especialmente funcional. A pressão para satisfazer as expectativas de um pai falecido não são facilitadas pelo fato de ele ser o rei; são aumentadas. A dor de uma briga conjugal não é reduzida porque ocorre em uma suíte esplêndida com quartos adjacentes.

Dito isso, a mensagem deThe Crown não é que os Windsors são como nós, porém com diamantes. Em vez disso, ao contrário de nós, os membros da família real não pertencem a si mesmos; eles devem gastar as suas vidas a serviço de algo maior do que eles mesmos.

Monarquia espiritualizada

Em primeiro lugar, algumas renúncias. Elizabeth (interpretada por Claire Foy) não está necessariamente agindo a partir de pressuposições exatas para discernir o seu dever. Ela herdou a visão de que a autoridade de um rei ou rainha é derivada de Deus no sentido de que a monarquia é um ofício sagrado em vez de político. Na série, essa ideia é articulada pela avó de Elizabeth, a rainha Mary (Eileen Atkins): “Monarquia é a missão sagrada de Deus para agraciar e dignificar a Terra. Para dar às pessoas comuns um ideal pelo que se esforçar, um exemplo de nobreza e dever para elevá-las em suas vidas miseráveis. A monarquia é um chamado de Deus”.

Duvido que muitos leitores, mesmo os anglófilos amantes da realeza como eu, compartilhem essa visão espiritualizada da monarquia. Embora um rei ou uma rainha tenha um chamado para cumprir, esse chamado não é mais sagrado do que o de um presidente ou de um prefeito. Mas não precisamos compartilhar a teologia monárquica da rainha Maria para apreciar a seriedade com que ela e sua neta lidam com os seus chamados.

Além disso, apesar de eu achar a profunda devoção de Elizabeth ao seu país admirável, não acredito que o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte seja digno de lealdade absoluta. É verdade que derrotou o nazismo, o que seria o auge de qualquer nação, mas o Império Britânico nem sempre agiu de maneira benevolente ou justa. Não devemos presumir que fazer o que é melhor para um país é sempre sinônimo de fazer o que é melhor.

Glória por meio da autonegação

Com essas qualificações em mente, os cristãos podem se identificar prontamente com o dilema que confronta a rainha Elizabeth e os outros membros da família real. Nós, como eles, devemos habitualmente referenciar o conflito entre nossos próprios desejos pessoais — ser fiel a si mesmo, por exemplo — e servir a algo maior do que mesmos.

O pai de Elizabeth, o rei George (Jared Harris), define o padrão para a família. Uma pessoa comum com uma fala gaguejante, ele entra no centro das atenções da monarquia contra as suas próprias inclinações. A riqueza, o poder e o privilégio que vêm com a coroa não devem permitir a autoindulgência, mas a autonegação.

Após a morte de seu pai, Elizabeth segue o exemplo dele; ela e o marido submetem os seus próprios desejos — onde irão morar, com quem irão trabalhar, até mesmo o nome que receberão — ao julgamento do Parlamento. A rainha se submete repetidas vezes aos desejos dos outros porque está convencida de que seus próprios desejos devem ser sacrificados por algo maior.

O contraexemplo perfeito para a autonegação de Elizabeth é o egoísmo de seu tio. David (Alex Jennings), brevemente rei sob o nome de Edward VIII, rejeita o seu dever para com o seu país, optando por desistir da coroa para se casar com a divorciada Wallis Simpson (Lia Williams). Ele ganha o que o seu coração deseja, mas perde todo o restante. Davi e sua esposa vivem no exílio sem glória. Eles assistem à coroação de Elizabeth, a mais grandiosa das cerimônias, em uma minúscula tela de televisão em preto e branco. A glória pertence àquela que negou a si mesma.

Isso é o queThe Crown faz tão bem. Sacrifício e abnegação não são temas novos, mas não os vemos em uma relação intrínseca com a glória. Enquanto a mensagem mais clara de The Crown é que a glória requer sacrifício, o inverso também brilha sutilmente: o sacrifício leva à glória. É difícil perder a ressonância bíblica. Jesus Cristo se esvaziou e escolheu se submeter ao plano do reino de seu Pai, mesmo até à morte. Sua humildade voluntária levou à glória:

“Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai” (Fp 2.9-11).

Eu não sei que sacrifício Deus pode requerer de você hoje. Talvez você seja uma mãe que colocou uma carreira satisfatória em segundo plano e agora passa os seus dias trocando fraldas. Talvez você tenha se apaixonado por um incrédulo e saiba que você deve acabar com isso. Talvez você esteja servindo fielmente um patrão ingrato e indigno. Embora negar a nós mesmos possa parecer um trabalho árduo ou ter a sensação de morte lenta, há glória no por vir. De fato, “Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós cada vez mais abundantemente um eterno peso de glória” (2Co 4.17).

Coragem, filhos do rei. No final do nosso sacrifício há um reino. Haverá diamantes.

 

[1] Nota da autora: Escrevi este artigo antes do lançamento da segunda temporada de The Crown. Percebi desde então que o Episódio 7 contém nudez explícita e longas cenas que envolvem sensualidade. Por favor, considere esse alerta.

Por: Betsy Childs Howard. © The Gospel Coalition. Website: thegospelcoalition.org. Traduzido com permissão. Fonte: The Weight of ‘The Crown’.

Original: O peso da “Coroa”. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Tradução: Camila Rebeca Teixeira. Revisão: William Teixeira.