A vontade de Deus é que todos os cristãos sejam prósperos? (1/2)

Parte 1 e Parte 2 do artigo.

Cada vez mais cristãos por todo o mundo creem que a prosperidade material é um direito de todos os cristãos. Eles creem que Deus espera que eles peçam por ela e a antecipem como um cumprimento certo da sua promessa. Não há dúvidas de que tanto o Antigo quanto o Novo Testamento ensinam que o fiel será abençoado por Deus.

Mas essa bênção necessariamente sempre incluirá prosperidade material? Todos os cristãos podem ter a expectativa de se tornarem ricos? Ao olharmos para a Bíblia, tal expectativa é dissipada.

Em primeiro lugar, Paulo frequentemente mostrava que os seus sofrimentos não influenciavam negativamente sua plenitude de vida. Em suas epístolas, ele apresenta o seu próprio sofrimento como parte da evidência de que ele era abençoado e chamado por Deus (por exemplo 2Co 4.8-18; 6.3-10; 11.13-33; 12.1-10; Gl 6.17). Em determinada ocasião ele descreveu a si mesmo como pobre, “mas enriquecendo a muitos; nada tendo, mas possuindo tudo” (2Co 6.10). Em Efésios, escrevendo da prisão, Paulo menciona a riqueza cinco vezes — referindo-se ao evangelho e a todos os seus tesouros. Ele próprio era um pobre prisioneiro privado de muitas necessidades humanas básicas, mas via a si mesmo como sendo rico.

Em Filipenses, também escrevendo da prisão, Paulo disse a respeito das suas necessidades financeiras:

Digo isto, não por causa da pobreza, porque aprendi a viver contente em toda e qualquer situação. Tanto sei estar humilhado como também ser honrado; de tudo e em todas as circunstâncias, já tenho experiência, tanto de fartura como de fome; assim de abundância como de escassez. (Fp 4.11-12)

Ele infere que riqueza não é necessariamente um sinal da bênção de Deus, mas contentamento sim. De fato, nessa epístola, as palavras alegria, alegrai-vos, alegres e contentes aparecem 16 vezes. Ele diz que devemos nos alegrar sempre no Senhor (Fp 4.4). Essa também é a epístola que fala a respeito da paz de Deus que excede todo o entendimento (4.7). Então contentamento, paz e alegria caracterizam um cristão verdadeiramente rico.

Há alguns anos, eu fiz um estudo de todos os pontos do Novo Testamento onde Jesus é apresentado como um modelo para seguirmos. Dos 29 textos que eu estudei mais profundamente, quatro eram afirmações gerais chamando os leitores a seguirem Cristo; dois eram a respeito de perdoar como Jesus perdoou (Ef 4.32; Cl 3.13) e dois eram a respeito de mansidão e bondade (2Co 10.1; 11.17). Os outros 21 eram a respeito do exemplo da servidão de Jesus e dos seus sofrimentos.¹ Então, quando encoraja a generosidade, Paulo dá o exemplo de Jesus e diz: “Pois conheceis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, se fez pobre por amor de vós, para que, pela sua pobreza, vos tornásseis ricos” (2Co 8.9). O próprio Jesus disse: “A vida de um homem não consiste na abundância dos bens que ele possui” (Lc 12.15). Na parábola do homem rico e do pobre mendigo Lázaro coberto de chagas, é o mendigo que vai para o céu e o rico que sofre no inferno (Lc 16.19-31). Nós podemos seguramente concluir que o Novo Testamento não inclui o sucesso material em sua descrição básica do que significa ser um seguidor de Cristo.

Mais perigo do que bênção

Terceiro, o Novo Testamento parece mostrar a riqueza mais como um perigo do que como uma bênção. Ele enfatiza os perigos mais do que o desejo da riqueza. Jesus determinou o tom dessa ênfase com a frase: “E Jesus, vendo-o assim triste, disse: Quão dificilmente entrarão no reino de Deus os que têm riquezas! Porque é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus” (Lc 18.24-25). Essa declaração é citada em todos os três evangelhos sinóticos. Mas com que frequência ouvimos pregadores repeti-la hoje? Jesus realça o seu ensino a respeito dos perigos da riqueza em sua parábola sobre o rico fazendeiro que conseguiu riqueza suficiente para garantir uma aposentadoria confortável. Ele é chamado de “louco” em sua morte. Jesus explica dizendo: “Assim é o que entesoura para si mesmo e não é rico para com Deus” (Lc 12.16-21). Em seu chamado evangelístico para os futuros discípulos negarem a si mesmos, tomarem cada um a sua cruz e segui-lo, Jesus adverte: “Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?” (Mc 8.36). Se negligenciarmos esse aspecto do chamado de Cristo na nossa pregação do evangelho, seremos culpados de distorcer o evangelho assim como os liberais de uma geração passada.

Quando olhamos 1 Timóteo 6, encontramos mais advertências sobre os perigos da riqueza. Paulo diz que é correto querer necessidades básicas como comida e roupas: “Tendo sustento e com que nos vestir, estejamos contentes” (1Tm 6.8). Além dessa necessidade, a riqueza não é grande coisa. Paulo diz: “Grande fonte de lucro é a piedade com o contentamento. Porque nada temos trazido para o mundo, nem coisa alguma podemos levar dele” (6.6-7). Não é essencial que sejamos ricos, mas é essencial que sejamos piedosos e contentes. Em outro lugar, Paulo diz que ele está contente mesmo diante do sofrimento: “Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo. Porque, quando sou fraco, então, é que sou forte” (2Co 12.10). A ideia de força na fraqueza é outra doutrina bíblica negligenciada hoje em dia.

Voltemos às advertências. Em 1 Timóteo 6.9-10, Paulo diz:

Ora, os que querem ficar ricos caem em tentação, e cilada, e em muitas concupiscências insensatas e perniciosas, as quais afogam os homens na ruína e perdição. Porque o amor do dinheiro é raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram com muitas dores.

Outra forte advertência está na parábola do semeador, onde Jesus fala da semente lançada entre espinhos: “Os cuidados do mundo, a fascinação da riqueza e as demais ambições, concorrendo, sufocam a palavra, ficando ela infrutífera” (Mc 4.19). Essas duas fortes advertências nos dizem como o desejo por riquezas pode causar um enorme prejuízo nos enganando para que abandonemos o caminho de Deus pelo caminho da suposta prosperidade. Infelizmente, hoje encontramos muitas pessoas que caíram exatamente nessas armadilhas. Elas arruinaram sua vida espiritual e condenaram a si mesmas a uma vida infeliz. À luz de advertências como essas a respeito dos perigos do desejo de ser rico, aliadas ao fato de tantas pessoas terem suas vidasarruinadas dessa maneira, os pregadores devem ter cuidado de não inflamar esse desejo ao prometer riquezas para os seus ouvintes.

Tesouros no céu

Ao mesmo tempo, a Bíblia não tem uma abordagem completamente negativa quanto à questão da riqueza. Jesus disse: “Ajuntai para vós outros tesouros no céu, onde traça nem ferrugem corrói, e onde ladrões não escavam, nem roubam” (Mt 6.20). Essa declaração é feita no contexto do que fazer com a riqueza. Usando uma linguagem familiar às pessoas do mundo dos negócios, Jesus aconselha que façamos o mais inteligente investimento no lugar mais seguro de todos: o céu. Pregadores devem encorajar os cristãos a buscar a prosperidade eterna.

Em 1 Timóteo 6, Paulo pede que os ricos sejam ricos em generosidade: “Que pratiquem o bem, sejam ricos de boas obras, generosos em dar e prontos a repartir; que acumulem para si mesmos tesouros, sólido fundamento para o futuro, a fim de se apoderarem da verdadeira vida” (6.18-19). Nós investimos no Banco do Céu quando damos ao necessitado. Observamos anteriormente que Paulo disse em 1 Timóteo 6 que riqueza é menos importante que piedade e contentamento. Agora ele está dizendo que generosidade abundante também é importante. Os muitos ensinos na Bíblia a respeito de dar mostram que para um cristão bíblico, essa é uma das grandes ambições na vida. Paulo diz que os cristãos macedônios estavam “pedindo-nos, com muitos rogos, a graça de participarem da assistência aos santos” (2Co 8.4).

Quando insta os cristãos coríntios a contribuir com as necessidades da igreja em Jerusalém, Paulo diz: “Nosso desejo não é que outros sejam aliviados enquanto vocês são sobrecarregados, mas que haja igualdade” (2Co 8.13, NVI). Em um mundo de evidente desigualdade, nós damos generosamente para trazer alguma medida de justiça e igualdade. Essa necessidade urgente de justiça no mundo levou muitos cristãos a tomar uma decisão de adotar um estilo de vida simples — evitando a extravagância e dando tanto quanto possível para a obra de Deus e para os necessitados. Como alguém disse certa vez: “Nós vivemos de maneira simples para que outros possam simplesmente viver”. Em apoio a essa ideia de um estilo de vida simples, nós remetemos à declaração de Jesus: “Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra” (Mt 6.19).

¹ Veja Ajith Fernando, “Jesus: The Message and Model of Mission,” Global Missiology for the 21st Century, editado por William D. Taylor, (Grand Rapids: Baker Academic, 2000), pp. 209-210. [em inglês]

Por: Ajith Fernando. © The Gospel Coalition. Website: thegospelcoalition.org. Traduzido com permissão. Fonte: Is It God’s Will for All Christians to Be Wealthy?

Original: A vontade de Deus é que todos os cristãos sejam prósperos? (1/2) © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Tradução: Alan Cristie.