A "Quebra de Maldição" e os Não-Pentecostais

por

Josaías Cardoso Ribeiro Jr.

Pedro então lhes respondeu: Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para remissão de vossos pecados; e recebereis o dom do Espírito Santo” (Atos 2.38).

Me lembro de certa aula em que um professor de teologia falava sobre o dia do Pentecostes, em que o Espírito Santo desceu sobre os discípulos. Em um momento, ele brincou, afirmando que todos os presentes – pressupondo-se que ali só havia crentes – eram, querendo ou não, pentecostais, pois recebemos o Espírito Santo.

O objetivo deste texto não é entrar no debate a respeito de o que “o dom do Espírito Santo” a que Pedro se refere em seu discurso no dia de Pentecostes é a “segunda bênção” ou não. Este assunto já foi extremamente debatido e esmiuçado pelos mais diversos estudiosos da Bíblia, de forma que eu pouco tenho a acrescentar em relação ao assunto. Apenas deixo minha opinião – ao lado dos protestantes ortodoxos, entendo o batismo no Espírito Santo como algo que acontece na conversão, e não como um evento para os crentes “mais espirituais”.

De forma que, no sentido dado pelo professor ao termo “pentecostal”, posso dizer que sim – sou um pentecostal, afinal recebi o dom do Espírito Santo, pela Graça de Deus, da mesma forma que os apóstolos e primeiros discípulos o receberam, e mesmo que eu não realize os seus sinais e prodígios, tenho a certeza de que “fomos batizados em um só Espírito” (1 Co 12.13).

Embora já estivesse pretendendo escrever sobre o assunto, o que me impulsionou a finalmente fazê-lo foi justamente um livro escrito por um pastor pentecostal[1] – agora sim no sentido denominacional do termo – a respeito dos modismos e heresias que adentram nas igrejas evangélicas. No livro o pastor exorta sobre os erros cometidos e trazidos pelos “neopentecostais”. Posso dizer que me surpreendi muito pela seriedade e ortodoxia daquele pastor e fiquei contente por saber que as práticas “neopentecostais” não são admitidas por muitos dos pentecostais[2].

Dito isto, entremos no assunto que realmente motivou o artigo.

De modo que os que são da fé são abençoados com o crente Abraão. Pois todos quantos são das obras da lei estão debaixo da maldição; porque escrito está: Maldito todo aquele que não permanece em todas as coisas que estão escritas no livro da lei, para fazê-las. Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós; porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado no madeiro; para que aos gentios viesse a bênção de Abraão em Jesus Cristo, a fim de que nós recebêssemos pela fé a promessa do Espírito” (Gálatas 3.10s,13s).

O que mais me assusta em relação à atual interpretação de textos bíblicos, é como ela consegue fugir dos princípios básicos de interpretação de qualquer texto. Antes de adentrar no mundo da teologia, acredito que um pastor deveria, na medida do possível, ser capaz de entender corretamente um texto na sua linguagem. Tomando essa ferramenta simples, vejamos o que Paulo quis dizer neste trecho de carta às igrejas da Galácia.

Quem está debaixo de maldição? Aqueles que são das obras da Lei, que apoiam-se na prática da Lei (NVI), que confiam na obediência à Lei (NTLH). Assim, entendemos claramente que as pessoas que são da fé, e que não se baseiam na prática da Lei não estão sob maldição[3].

Quem são aqueles que vivem pela fé? Em Gálatas 2.20, o Apóstolo deixa claro que são aqueles que morreram para as obras da Lei e agora estão crucificadas com Cristo. Desta forma, Cristo vive nelas por meio do Seu Espírito, e elas, mediante a fé, consideram-se vivas para Cristo Jesus. Resumidamente, são aqueles que estão em Cristo, um termo bastante comum nas epístolas paulinas.

Como Galátas 3.14 nos diz, aqueles que são da fé e, portanto, estão em Cristo, recebem a bênção de Abraão. Um fato curioso de todo o contexto é que os crentes são abençoados “em Abraão” e recebem a bênção de Abraão. Não é necessário ser muito perpicaz para entender que ser abençoado em Abraão nos livra de toda maldição – “Abençoarei aos que te abençoarem, e amaldiçoarei àquele que te amaldiçoar; e em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gênesis 12.3).

De forma sucinta, quem está em Cristo recebe a bênção de Abraão. Receber esta bênção necessariamente exclui qualquer tipo de maldição, pois serão malditos aqueles que nos amaldiçoam ou nos amaldiçoarem. Não existe qualquer possibilidade de alguma maldição cair sobre aqueles que estão em Cristo e, conseqüentemente, em Abraão. Esse texto, acredito, é como uma versão veterotestamentária de Romanos 8.1 e 33s - “Portanto, agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus... Quem intentará acusação contra os escolhidos de Deus? É Deus quem os justifica; Quem os condenará? Cristo Jesus é quem morreu, ou antes quem ressurgiu dentre os mortos, o qual está à direita de Deus, e também intercede por nós”.

Quem está em Cristo? Romanos 5 e 1 Coríntios 15 nos mostram claramente que existe uma distinção entre aqueles que estão em Adão e aqueles que estão em Cristo. Já vimos que aqueles que estão em Cristo são os que vivem por meio da fé, de forma só podemos entender que aqueles que estão em Adão são um grupo oposto àquele que está em Cristo.

Isto nos leva de volta ao início da discussão e nos mostra que apenas aqueles que estão em Adão estão sob maldição. E realmente, é sobre Adão que a maldição maior é proferida, pois por meio dele a transgressão entrou no mundo, e com ela, a morte. Porém, aqueles que estão em Cristo, mesmo que morram, não morrem por causa desta maldição, mas porque, unidos ao Senhor precisam morrer para que sejam ressuscitados dos mortos como Ele foi (Jo 12.24ss, Rm 6.3ss, 1 Co 15.36ss, 2 Co 4.10ss).

Retornando ao texto aos gálatas, a maldição da Lei também não nos atinge, pois Cristo já carregou esta maldição sobre si, como Gálatas 3.13 nos deixa bastante claro. Irmãos, isto é lógico e simples – Cristo carregou a maldição daqueles que estão nEle. Aqueles que não estão nEle ainda estão debaixo de maldição. Não há como fugir disto.

Além disso, unidos ao Cristo Ressurreto pela glória de Deus e para Sua Glória, seria inconcebível termos qualquer maldição ainda sobre nós. Seria uma incoerência pessoas “malditas” e, ao mesmo tempo, unidas ao Nosso Senhor Jesus Cristo, Deus Bendito Eternamente (Rm 9.5).

Mas o que poderia nos “desunir” de Cristo. A Bíblia é clara quanto a isto – nada (Rm 8.38).

Quem, então, é amaldiçoado? Todo aquele que é separado de (não está unido a) Cristo (Rm 9.3), que está sob a Lei e sua Maldição (Rm 6.14ss, 8.1ss, Gl 3.10ss), porque não confia no sacrifício e na morte de Cristo Jesus em nosso lugar.

E por que não confiam? Porque tais pessoas acham que apenas sua conversão é baseada na fé, quando está claro que toda a vida do cristão, do princípio ao fim é pela fé, que ele vive de fé em fé (Romanos 1.17). Nas palavras de Herman Ridderbos, “... a fé deve saber de uma só vez e repetidamente que o inimigo [o pecado] foi derrotado. Assim também fica clara a relação entre o presente e o contínuo da nova vida. A nova vida é uma vida, e não uma sucessão de sinais de vida. Apesar disso, não é uma vida latente, mas militante, uma vida pela fé. Quando a fé enfraquece, a situação de Romanos 7 volta a tornar-se uma realidade”. [4]

Aqueles que se esquecem que, por meio da fé, vivemos todo nosso caminhar terreno, ou que não ensinam isso, negando que Cristo, em Sua morte, nos livrou de toda condenação, ainda estão pregando um ministério de condenação (2 Co 3.9), estas pessoas não proclamam que agora já não há nenhuma condenação para os que estão em Cristo Jesus e não vivem segundo o Espírito de Cristo (Rm 8.1ss). E Paulo deixa claro o que pensa sobre o assunto no capítulo 8 de Romanos, ao nos mostrar qual é o ministério do Espírito Santo.


Uma conclusão assustadora

Voltando ao texto inicial, num resumo, vemos que estão sob maldição:

(a) aqueles que vivem pela prática da Lei;
(b) aqueles que não vivem de fé em fé;
(c) aqueles que não estão em Cristo e unidos a Cristo, mas permanecem em Adão;
(d) aqueles que não têm nenhuma condenação sobre si, pois ela (inclusive as maldições) foram levadas por Cristo Jesus, nosso Senhor;
(e) aqueles que não estão em Abraão, uma conseqüência da vida em Cristo;
(f) aqueles que não recebem a bênção de Abraão, conseqüência de estar em Abraão.

Todas estas definições não falam de grupos distintos, mas de características comuns às pessoas que não estão em Cristo. E assim, de volta a Gálatas 3.14, sabemos que aqueles que não estão em Abraão não receberam a promessa do Espírito Santo. Por este motivo, iniciei o texto falando do dom do Espírito Santo, a promessa recebida após a morte e ressurreição do Senhor Jesus e afirmei que aqueles que têm o Espírito de Cristo são pentecostais.

Me encontro, assim, numa assustadora conclusão, que não deve ser entendida como um julgamento sobre os verdadeiros cristãos que, ingenuamente, participam de tais cerimônias de “quebra de maldição”, mas como uma advertência – especialmente em relação aos líderes de movimentos do tipo, pois eles prestarão contas por seus ensinos distorcidos da Palavra de Deus[5].

Temo afirmar que alguém que ainda vive quebrando maldições já desfeitas por Cristo Jesus na cruz, e ensinando tais práticas, pode ser qualquer coisa, menos um pentecostal. Temo afirmar que o véu ainda cobre seus olhos (2 Co 3.14), porque não estão em Cristo. Temo dizer que o Senhor, que é o Espírito, ainda não os libertou, de forma que o autor do livro citado os chamava de “neopentecostais”, mas a definição correta para pessoas que ainda vivem debaixo de maldição é não-pentecostais.

Estas pessoas dizem que pregam o evangelho, mas o Evangelho é o poder de Deus para salvação, é a justiça de Deus revelada, uma justiça que do princípio ao fim é pela fé; um poder e uma justiça provenientes da obra consumada, perfeita e libertadora de maldições realizada unicamente por nosso Senhor Jesus Cristo.

Pessoas que ensinam a quebrarmos maldições quando Cristo já o fez por nós estão apresentando “outro evangelho” (Gálatas 1.6), que na verdade não é o Evangelho (Gl 1.7). É interessante que Paulo deixa bem claro que estes mestres deveriam ser consideradas pelos gálatas como anátema, pessoas separadas do Corpo de Cristo. Ironicamente, isto manifestaria que na verdade elas estão na condição que mais combatem – “sob maldição” (Gl 1.8s).

Ao ler Gálatas 1.10, fica a questão – vamos ouvir o ensino bíblico ou, em nome da política de boa-vizinhança, tentar agradar não-pentecostais posando de pentecostais?



NOTAS

[1] LIMA, Paulo Césa. O que está por trás do G-12. CPAD. Não que concorde completamente com o autor, especialmente quanto à sua visão histórica e generalizante do “calvinismo”, mas é um conforto saber o posicionamento dos líderes da Assembléia de Deus.

[2] Evidentemente, a posição doutrinária oficial de uma denominação não significa que todas as igrejas que carregam a placa de tal denominação segue a posição. Provavelmente, todos têm exemplos de suas próprias denominações.

[3] Não estou de forma alguma negando que o crente passe por aflições e dificuldades que podem até permancer durante toda a sua vida, vide o espinho de Paulo, como exemplo. Falo da tolice de tratar enfermidades deste tipo como uma “maldição” resultante de pecados não-confessados ou de obras do inimigo com o poder tão grande que seria necessário “palavras de poder” e similares para que elas se findem (ao invés da confiança na Soberania Divina a respeito de questõs do tipo).

[4]] RIDDERBOS, Herman. A Teologia do Apóstolo Paulo (Editora Cultura Cristã, São Paulo, 1ª ed., 2004), p.291

[5] O que não exime os crentes que já escutaram milhares de exortações contra tal prática da culpa de não darem ouvidos a tais advertências.


Sobre o autor: O autor do presente artigo é estudante de teologia na Faculdade Teológica Batista de Brasília e membro da Terceira Igreja Batista do Plano Piloto (Brasília-DF), onde atua nas áreas da Juventude, Missões e dá aulas na classe de adolescentes da EBD. É um dos colaboradores nas traduções do Monergismo.com.

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